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Longe da ficção científica, a inteligência artificial (IA), que surgiu em 1956, em uma pesquisa da universidade norte-americana de Dartmouth, está cada vez mais presente e real na vida das pessoas. A IA pode ser encontrada por meio de assistentes de voz, mecanismos de pesquisa, carros autônomos, e, na área da saúde, pode obter diagnósticos rápidos e trata-mentos personalizados. A tecnologia vem revolucionando a maneira pela qual médicos, pesquisadores e pacientes enfrentam os desafios da medicina. Apesar das vantagens, especialistas alertam para as ameaças que as inovações podem oferecer.
A IA é realidade e desempenha papel fundamental na análise de grandes volumes de dados, permitindo que os profissionais de saúde extraiam informações e identifiquem padrões. Algoritmos inteligentes podem analisar registros médicos, exames de imagem, históricos genéticos e até mesmo dados de wearables (acessórios como relógios inteligentes), fornecendo dados em tempo real. Essa capacidade de processamento avançado auxilia na identificação precoce de doenças, na previsão de complicações e na recomendação de tratamentos personalizados, com base em características individuais do paciente.
No Hospital Adventista de São Paulo (HASP), está sendo feita uma análise das inovações para o cuidado aos pacientes. “O HASP está estudando a utilização junto com seu sistema de prontuário eletrônico; com o paciente triado, a IA poderá trazer automaticamente os possíveis diagnósticos e protocolos para auxílio do médico, ajudando na velocidade e assertividade do atendimento. Porém, a IA na saúde entra como um auxílio e não como solução final”, explica Samuel Rocha, supervisor de TI da instituição.
Essa tecnologia que imita a inteligência humana pode trazer benefícios para a saúde, como melhorar o diagnóstico, o tratamento, a prevenção e a gestão de doenças. No entanto, também apresenta riscos que precisam ser considerados e mitigados antes de sua implementação em larga escala. “É importante alertar que o uso de sistemas de IA não testados ou inadequados pode comprometer a qualidade e a segurança da assistência à saúde, gerando consequências negativas para os pacientes e os profissionais da área. Além disso, a confiança na IA é essencial para garantir a aceitação e a adesão dos usuários, bem como para estimular o desenvolvimento e a inovação. Por isso, é recomendável que os sistemas sejam avaliados rigorosamente quanto à sua eficácia, efi ciência, ética, equidade e transparência, antes de serem adotados na prática clínica. Dessa forma, a IA pode ser usada de forma responsável e sustentável, visando maximizar seus benefícios e minimizar seus riscos para a saúde pública”, conclui Rocha.
Inteligência no diagnóstico e na prevenção
Além dos resultados laboratoriais, a IA tem demonstrado potencial na área da radiologia, acelerando o processo de interpretação de exames de imagem. Procedimentos de visão computacional podem analisar rapidamente tomografias, ressonâncias magnéticas e radiografias, identificando anormalidades e auxiliando os médicos na tomada de decisões mais precisas. Essa abordagem colaborativa entre médicos e máquinas tem o poder de aumentar a eficiência diagnóstica e reduzir o tempo de espera para os pacientes.
Comandos inteligentes podem analisar registros médicos, históricos genealógicos, fornecendo in- formações em tempo real. Outra área em que a IA tem causado impacto é a medicina personalizada. Com base nos dados genéticos e nas características individuais de cada paciente, comandos de aprendizado de máquina podem ajudar a prever a resposta a determinados medicamentos, evitando tratamentos ineficazes e reduzindo potenciais efeitos colaterais. Também podem auxiliar na identificação de pacientes com maior risco de desenvolver certas condições, permitindo intervenções antecipadamente.
Apesar dos avanços, a implementação da inteligência artificial na saúde ainda enfrenta desafios, como a privacidade dos dados, a responsabilidade na tomada de decisões médicas e as falhas. No entanto, é inegável que a IA está se consolidando como um aliado na busca por cuidados de saúde.
“Por exemplo, usamos smartwatches (relógios inteligentes) que têm dados do nosso número de passos, calorias queimadas, distância andada, batimentos cardíacos e outros. Assim, acredito que o grande benefício da inteligência artificial seja o de conseguir interpretar constantemente esses nú- meros para transformar em informações que uma pessoa não médica consiga usar para tomar decisões mais saudáveis”, analisa Rafael Roberto, pesquisa- dor no People-Led Digitalisation, da Universidade de Bath, na Inglaterra, e no Voxar Labs, da Univer- sidade Federal de Pernambuco.
Ainda segundo o pesquisador, estamos avançando tão rápido que não estamos tendo tempo de ter discussões importantes sobre aspectos éticos, os limites da IA e a consequência do uso dela. “Acho que essa falta de discussão pode ter repercussões negativas tão sérias ao ponto de que elas superem os benefícios da IA, que são muitos. E quando a gente lida com saúde, essas discussões precisam ser ainda mais cuidadosas.”
Seria necessário um esforço conjunto dos profissionais da área, governos e da sociedade como um todo para garantir que essas tecnologias sejam utilizadas de forma responsável, promovendo o bem-estar dos pacientes e impulsionando avanços significativos no campo da saúde. “O uso indiscriminado da IA que vemos hoje traz vários riscos à humanidade que podem até ser bem catastróficos no futuro se a gente não agir logo. Considerando as IAs que a gente vê em uso, já é possível perceber consequências negativas. Por exemplo, ter ‘diagnósticos’ o tempo todo pelo relógio está aumentando os níveis de ansiedade. Uma pessoa que recebe do relógio um alerta vermelho negativo por-que dormiu menos de oito horas numa noite pode ficar tão ansiosa para dormir que vai ter insônia. O relógio pode interpretar que a pessoa está com um batimento mais baixo a ponto de ela forçar e arriscar um problema de saúde durante o exercício”, observa Roberto.
Treinos tecnológicos
Dos oito remédios naturais, o que certamente exige maior esforço e movimento é a prática de atividade física. Para dar uma ajuda nessa tarefa, a consultora educacional e pedagoga Letícia Bechara, 52 anos, iniciou o uso da IA com o relógio inteligente para controlar os movimentos realizados durante o dia. “O que acho mais legal é que você tem as metas diárias de atividades físicas; então elas me ajudam a ter consciência do movimento. Eu trato de condromalácia nos dois joelhos (amolecimento da cartilagem da patela) e a falta de exercício piora muito minha situação.
Ter essa tecnologia de inteligência para ajudar a monitorar a quantidade e também a intensidade da atividade, batimentos cardíacos e gasto de calorias é extremamente motivador”, relata.
Letícia ainda conta com um educador físico que complementa as orientações do uso da tecnologia.
“Junto com o personal, a gente monitora os batimentos cardíacos; quando estão muito altos na corrida, eu caminho. Além do relógio, eu uso ainda o aplicativo
Run Keeper”, completa.
A pesquisadora e doutora em ciência da computação Manoela Milena Oliveira da Silva, 33 anos, também utiliza o relógio inteligente. “Ele monitora os batimentos cardíacos, o número de passos, mas percebi que não é tão preciso, e a quantidade de passos mostrada também não é 100%, mas uso como um parâmetro. No meu, quando atinge seis mil passos, é como se fosse a meta diária. Para mim, serve mais como um estímulo para eu ficar mais ativa”, diz.
Manoela, porém, não utiliza o relógio inteligente para controlar as horas diárias de sono, pois essa função a incomoda. “O relógio também mede a quantidade de sono, mas, como tem uma luz infravermelha, incomoda para mim, e agora eu não uso mais”, finaliza.
Psicólogo robô
É inquestionável que essa inovação já faça parte da vida das pessoas, mas sempre é preciso cautela no uso dela, principalmente no cuidado com a saúde física e mental. “Acredito que a inteligência artificial já tem contribuído de forma significativa para os grandes avanços da ciência, incluindo a medicina. Nos últimos 20 anos, tivemos uma revolução em vários campos, como genética, robótica, análise de dados, que só foi possível por conta dos avanços no campo da inteligência artificial e processamento de dados. O uso de algumas tecnologias permite melhor monitoramento das condições de saúde do paciente e, em processos gerenciais, pode contribuir para melhorar a segurança dele”, opina Eduardo Uchôa, neurologista e diretor da Regional Centro-Oeste da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).
No entanto, vale lembrar que o uso dessa inovação requer ainda mais contato com telas e iluminação, exigindo cuidado, tanto físico quanto mental. “Toda essa exposição às telas causa impactos na saúde. O uso da luz dos dispositivos durante a noite pode confundir os relógios biológicos. Como resultado, ela pode causar distúrbios do sono e levar a outras condições médicas crônicas, como obesidade, diabetes ou depressão”, alerta Uchôa.
Além disso, adultos com 60 anos ou mais que ficam sentados por longos períodos assistindo à TV ou mantendo outros comportamentos passivos e sedentários podem ter maior risco de desenvolver demência, de acordo com um estudo realizado por pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia e da Universidade do Arizona.
Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, as recomendações para uso de telas são de, no máximo, uma hora por dia, para crianças de 2 a 5 anos (menores de 2 anos devem evitar o uso), sempre com supervisão de adultos. Para aqueles entre 6 e 10 anos: no máximo de 1 a 2 horas por dia, também com supervisão de responsáveis. Entre 11 e 18 anos: limitar o tempo de exposição (o que inclui os videogames) a 2-3 horas/dia.
IA ameaça a vida humana
Segundo o professor da Universidade das Nações Unidas David McCoy, um dos autores do artigo “Threats by artificial intelligence to human health and human existence” (Ameaças da inteligência artificial à saúde humana e à existência humana), publicado neste ano na revista BMJ Global Health, o potencial de as máquinas aplicarem inteligência e poder – deliberadamente ou não – pode ameaçar a existência humana.
“Como a IA é uma nova e incrível forma de poder que pode ser aplicada em vários domínios, a maior ameaça reside em nossa falha em regular esse poder e impedir que seja usado para fins de guerra, opressão e lucro”, opina o professor David McCoy.
De acordo com os pesquisadores do artigo, se concretizada, a conexão da inteligência artificial geral com a internet e o mundo real, inclusive por meio de veículos, robôs, armas e todos os sistemas digitais que, cada vez mais, dirigem nossa sociedade, poderia muito bem representar um “grande evento da história da humanidade”.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) está pedindo cautela ao usar ferramentas de modelo de linguagem (LLMs) geradas por inteligência artificial (IA) para proteger e promover o bem-estar humano, a segurança e a autonomia humanas e preservar a saúde pública.
De acordo com a OMS, os LLMs incluem algumas das plataformas de expansão mais rápida, como ChatGPT, Bard, Bert e outras que imitam a compreensão, o processamento e a produção da comunicação humana. A difusão pública meteórica e o crescente uso experimental para fins relacionados à saúde estão gerando uma empolgação significativa em torno do potencial de atender às necessidades de saúde das pessoas.
Interessados que desejam conhecer mais podem acessar o guia da OMS com orientações éticas do uso da IA na saúde. Denominado The WHO guidance on Ethics & Governance of Artificial Intelligence for Health, o documento orienta que esse tipo de inteligência pode beneficiar países de baixa e média renda, pois com a ajuda de ferramentas baseadas em IA, os governos poderiam estender os serviços de saúde às populações carentes e melhorar a saúde pública. Ao mesmo tempo, para que tenha um im-pacto benéfico, a ética e os direitos humanos devem ser prioridade, evitando a exclusão de populações, seja por sexo, geografia, cultura, religião, idioma ou idade.
“Para implementar esses princípios e obrigações de direitos humanos na prática, todas as partes interessadas, sejam designers e programa-dores, provedores e pacientes, bem como Ministério da Saúde e Ministério da Tecnologia da Informação, devem trabalhar juntos para integrar normas éticas em todas as fases da tecnologia, projeto, desenvolvimento e implantação”, explica, no guia da OMS, a doutora Soumya Swaminathan, cientista-chefe da Organização Mundial da Saúde.
Caroline Pellegrino
Jonalista