Espirita
Allan Kardec | |
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Fotografia de Allan Kardec. | |
Nome completo | Hippolyte Léon Denizard Rivail |
Conhecido(a) por | Codificar, sistematizar e propagar a Doutrina Espírita; propagar o "Método pedagógico de Pestalozzi" |
Nascimento | 3 de outubro de 1804 Lyon, França |
Morte | 31 de março de 1869 (64 anos) Paris, Ile-de-France |
Nacionalidade | francês |
Ocupação | Pedagogo, professor, gramático, tradutor, linguista, filósofo, educador |
Magnum opus | O Livro dos Espíritos (1857) |
Assinatura | |
Hippolyte Léon Denizard Rivail (francês: [ʁivɑj]; Lyon, 3 de outubro de 1804 — Paris, 31 de março de 1869) foi um influente educador, autor e tradutor francês. Sob o pseudônimo de Allan Kardec (francês: [kaʁdɛk]),[1] notabilizou-se como o codificador[nota 1] do espiritismo (neologismo por ele criado).
Foi discípulo do reformador educacional Johann Heinrich Pestalozzi e um dos pioneiros na pesquisa científica sobre fenômenos paranormais (mais notoriamente a mediunidade), assuntos cuja investigação costumava ser considerada inadequada.[2][3][4]
Biografia
Juventude e atividade pedagógica
Nascido numa antiga família de orientação católica com tradição na magistratura e na advocacia, desde cedo manifestou propensão para o estudo das ciências e da filosofia. Fez os seus estudos na Escola de Pestalozzi, no Castelo de Yverdon, em Yverdon-les-Bains, na Suíça (país protestante), tornando-se um dos seus mais distintos discípulos e ativo propagador de seu método, que tão grande influência teve na reforma do ensino na França e na Alemanha. Ele organizou e ministrou cursos gratuitos para os menos favorecidos.[5]
Concluídos os seus estudos, o jovem Rivail retornou ao seu país natal. Profundo conhecedor da língua alemã, traduzia para esse idioma diferentes obras de educação e de moral, com destaque para as obras de François Fénelon, pelas quais manifestava particular atração.
Era membro de diversas sociedades acadêmicas, entre as quais o Instituto Histórico de Paris e a Academia Real de Arras; esta última, em concurso promovido em 1831, premiou-lhe uma memória com o tema "Qual o sistema de estudos mais de harmonia com as necessidades da época?".[2][6]
A 6 de fevereiro de 1832 desposou Amélie Gabrielle Boudet. Em 1824, retornou a Paris e publicou um plano para aperfeiçoamento do ensino público. Após o ano de 1834, passou a lecionar, publicando diversas obras sobre educação, e tornou-se membro da Real Academia de Ciências Naturais.[7]
Como pedagogo, o jovem Rivail dedicou-se à luta para uma maior democratização do ensino público. Entre 1835 e 1840, manteve em sua residência, à rua de Sèvres, cursos gratuitos de Química, Física, Anatomia[8] comparada, Astronomia e outros. Nesse período, preocupado com a didática, elaborou um manual de aritmética, que foi adotado por décadas nas escolas francesas, e um quadro mnemônico da História da França, que visou a facilitar ao estudante a memorização das datas dos acontecimentos de maior expressão e as descobertas de cada reinado do país. As matérias que lecionou como pedagogo foram Química, Matemática, Astronomia, Física, Fisiologia, Retórica, Anatomia Comparada e Francês.[9]
Das mesas girantes à Codificação
Conforme o seu próprio depoimento, publicado em Obras Póstumas, foi em 1854 que o Prof. Rivail ouviu falar pela primeira vez do fenômeno das "mesas girantes", bastante difundido à época, através do seu amigo Fortier, um magnetizador de longa data. Sem dar muita atenção ao relato naquele momento, atribuindo-o somente ao chamado magnetismo animal do qual era estudioso.
Durante este período, também tomou conhecimento da psicografia. Ele então teria tido contato com um "espírito familiar", que supostamente teria passado a orientar os seus trabalhos. O pseudônimo "Allan Kardec" foi escolhido porque esta entidade teria revelado que ambos haviam vivido juntos, em uma vida passada, entre os druidas do povo celta, na região da Gália (atual França).[1][10][11]
Convencendo-se de que o movimento e as respostas complexas das mesas deviam-se à intervenção dos supostos espíritos, Kardec dedicou-se à estruturação de uma proposta de compreensão da realidade baseada na necessidade de integração entre os conhecimentos científicos, filosóficos e moral, com o objetivo de lançar sobre o real um olhar que não negligenciasse nem o imperativo da investigação empírica na construção do conhecimento, nem a dimensão espiritual e interior do homem.[13]
Tendo iniciado a publicação das obras de Codificação em 18 de abril de 1857, quando veio à luz O Livro dos Espíritos, considerado como o marco de fundação do Espiritismo, após o lançamento da Revista Espírita (1 de janeiro de 1858), Kardec fundou, nesse mesmo ano, a primeira sociedade espírita regularmente constituída, com o nome de Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.
Últimos anos
Kardec passou os anos finais da sua vida dedicado à divulgação do Espiritismo entre os diversos simpatizantes, e defendê-lo dos opositores através da Revista Espírita Ou Jornal de Estudos Psicológicos. Já com cerca de oito milhões de seguidores,[1] faleceu em Paris, a 31 de março de 1869, aos 64 anos de idade, em decorrência da ruptura de um aneurisma, quando trabalhava numa obra sobre as relações entre o Magnetismo e o Espiritismo, ao mesmo tempo em que se preparava para uma mudança de local de trabalho. Está sepultado no Cemitério do Père-Lachaise, uma célebre necrópole da capital francesa. Junto ao túmulo, erguido como os dólmens druídicos. Acima de sua tumba, seu lema: "Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sem cessar, tal é a lei", em francês.
Legado
Em seu sepultamento, seu amigo, o astrônomo francês Camille Flammarion proferiu o seguinte discurso, ressaltando a sua admiração por aquele que ali baixava ao túmulo:[16]
Sobre Kardec, o engenheiro francês Gabriel Delanne escreveu:[17]
Nas palavras do brasileiro Alexander Moreira-Almeida, coordenador da "Seção de Espiritualidade, Religiosidade e Psiquiatria" da Associação Mundial de Psiquiatria:[18][19]
Controvérsias
Frenologia e declarações racistas
Allan Kardec já fez declarações controversas, que foram tidas como etnocêntricas e racistas em várias de suas obras ainda no século XIX contra chineses e africanos,[20][21][22] sendo amplamente criticado no meio católico mais tradicionalista por conta disso.[23] Kardec, como um erudito de sua época, acreditava na suposta superioridade racial dos brancos europeus e na inferioridade de outros grupos étnico-raciais, tendo como base a frenologia, fundada pelo médico alemão Franz Joseph Gall (1758-1828) e atualmente considerada uma pseudociência. Kardec foi, inclusive, membro da Sociedade de Frenologia de Paris[24] e teria defendido teses atualmente consideradas racistas em trechos de suas obras, mas que, à época, representavam uma visão científica corrente no ramo da antropometria.[25] No artigo "Perfectibilidade da raça negra", Kardec afirmou que, uma vez que espíritos evoluem, tem que habitar corpos de outra "raça", o que acarretaria o desaparecimento das "raças selvagens". Ao consultar o espírito São Luís, Kardec lhe perguntou se raça negra é inferior, ao que São Luís teria respondido que a "raça negra" desapareceria da face da terra.[26]
Um dos textos de Kardec, criticados por alguns como sendo racista, encontra-se em sua obra O Livro dos Espíritos:
Outro texto conhecido de Allan Kardec, publicado em 1862 em uma revista de artigos da doutrina espírita na França, diz:
O hotetonte, mais conhecido hoje como khoisan, mencionado acima, se refere a uma família muito antiga de grupos étnicos do Sudoeste Africano. Para críticos, Kardec partilhava de concepções eurocêntricas (as que propugnam que europeus são racialmente superiores) quando ele assim escreveu no livro A Gênese:
Em 2007, o Ministério Público Federal definiu um termo de ajustamento de conduta, segundo o qual editoras que publicam as obras de Kardec no Brasil se comprometem a adicionar nelas uma nota explicativa de esclarecimento sobre a ciência de sua época e o suposto conteúdo discriminatório.[30] O escritor espírita brasileiro Paulo da Silva Sobrinho Neto, autor do e-book Racismo em Kardec?, argumenta que classificar as citações de Kardec como racistas de acordo com os valores morais contemporâneos seria anacronismo, visto que Kardec reproduzia aquilo que era dito como "verdade científica" na época em que viveu.[31] Ademais, Neto também cita vários trechos em que Kardec apoia o conceito de união "sem distinção de raças", como na obra O Evangelho Segundo o Espiritismo, de 1864.[32] Na obra O Livro dos Espíritos, também é afirmado que todos os homens são iguais perante Deus, rumam para o mesmo fim e estão sujeitos às mesmas leis.[33] No artigo "Jornal de Estudos Psicológicos", publicado na Revista Espírita em janeiro de 1863, Kardec também afirma: "Abracemos a Humanidade inteira, sem distinção de culto, de raça, de origem e, com mais forte razão, de família, de fortuna e de condição social."[34] Porém, o grupo Espíritas à Esquerda publicou edições das obras da codificação com redações alternativas e antirracistas de todos os textos considerados racistas, sejam de Kardec ou dos espíritos.[35]
Obras
Didáticas
O professor Rivail escreveu diversos livros pedagógicos, dentre os quais destacam-se:[36]
- 1824 - Curso prático e teórico de Aritmética, segundo o método de Pestalozzi, para uso dos professores e mães de família, com modificações - 2 tomos
- 1828 - Plano Proposto Para a Melhoria da Instrução Pública (coroado pela Academia Real de Arras)
- 1831 - Gramática Francesa Clássica
- 1831 - Qual o sistema de estudo mais consentâneo com as necessidades da época?.
- 1846 - Manual dos exames para os títulos de capacidade: soluções racionais de questões e problemas de Aritmética e de Geometria
- 1848 - Catecismo gramatical da Língua Francesa
- 1849 - Programa dos Cursos ordinários de Química, Física, Astronomia, Fisiologia
- 1849 - Ditados normais dos exames da Municipalidade e da Sorbona
- 1849 - Ditados especiais sobre as dificuldades ortográficas
Espíritas
São popularmente conhecidas como cinco obras básicas que versam sobre o Espiritismo, sob o pseudônimo Allan Kardec:[37][38]
- O Livro dos Espíritos, Princípios da Doutrina Espírita, publicado em 18 de abril de 1857;
- O Livro dos Médiuns ou Guia dos Médiuns e dos Evocadores, em janeiro de 1861;
- O Evangelho segundo o Espiritismo, em abril de 1864;
- O Céu e o Inferno ou A Justiça Divina Segundo o Espiritismo, em agosto de 1865;
- A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, em janeiro de 1868.
Além delas, como Kardec, publicou algumas dentre as onze que ele chamou de obras fundamentais da doutrina espírita:[39]
- Revista Espírita (periódico de estudos psicológicos), publicada mensalmente de 1 de janeiro de 1858 a 1869;
- O que é o Espiritismo? (resumo sob a forma de perguntas e respostas), em 1859;
- O Espiritismo em sua expressão mais simples, em 1862;
- Viagem Espírita em 1862 (1867) (publicada no Brasil pela editora O Clarim);
- Resumo da Lei dos Fenômenos Espíritas, divulgada em brochura em 1864;
- Caráter da Revelação Espírita, coletânea de trechos da Revista Espírita publicada em brochura em 1868; posteriormente incluída no capítulo I de A Gênese.
Após o seu falecimento, viria à luz:
- Obras Póstumas, em 1890.
Outras obras menos conhecidas foram também publicadas:
- Catálogo Racional de Obras para se Fundar uma Biblioteca Espírita, em abril de 1869;
- Instrução prática sobre as manifestações espíritas (substituída pelo Livro dos Médiuns; publicada no Brasil pela editora O Pensamento);
- O Principiante Espírita (no Brasil, pela editora O Pensamento);
- A Obsessão (no Brasil, pela editora O Clarim).
Diplomas
Lista dos principais diplomas obtidos por Denizard Rivail durante a sua carreira de professor e diretor de colégio:[9]
- Diploma de fundador da Sociedade de Previdência dos Diretores de Colégios e Internatos de Paris - 1829.
- Diploma da Sociedade para a Instrução Elementar - 1847. Secretário geral: H. Carnot.
- Diploma do Instituto de Línguas, fundado em 1837. Presidente: Conde Le Peletier-Jaunay.
- Diploma da Sociedade de Educação Nacional, constituída pelos diretores de Colégios e de Internatos da França - 1835. Presidente: Geoffroy de Saint-Hilaire.
- Diploma da Sociedade Gramatical, fundada em Paris em 1807, por Urbain Domergue - 1829.
- Diploma da Sociedade de Emulação e de Agricultura do Departamento do Ain - 1828 (Rivail fora designado para expor e apresentar em França o método de Pestalozzi).
- Diploma do Instituto Histórico, fundado em 24 de Dezembro de 1833 e organizado a 6 de Abril de 1834. Presidente: Michaud, membro da academia francesa.
- Diploma da Sociedade Francesa de Estatística Universal, fundada em Paris, em 22 de Novembro de 1820, por César Moreau.
- Diploma da Sociedade de Incentivo à Indústria Nacional, fundada por Jomard, membro do Instituto.
- Medalha de ouro, 1º prêmio, conferida pela Sociedade Real de Arrás, no concurso realizado em 1831, sobre educação e ensino.