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Matemática: o que falta descobrir e outras questões sobre essa fascinante ciência.

rene Hernández Velasco

  • BBC News Mundo
Girassol

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A natureza está repleta de padrões matemáticos

A matemática está em toda parte: na simetria das pétalas das flores, nas conchas dos moluscos, no padrão das manchas que recobrem a pele de muitos animais, na música, nas artes plásticas.

O mexicano José Luis Aragón Vera é um apaixonado por essa disciplina.

Diretor do Centro de Física Avançada e Tecnologia Aplicada da Universidade Nacional Autônoma do México, esse doutor em física dos materiais é especialista em cristalografia matemática (o estudo dos cristais) e em biomatemática.

A BBC News Mundo, serviço em língua espanhola da BBC, conversou com ele durante o Hay Festival Digital Querétaro, evento anual que celebra as artes e a ciência.

BBC - Galileu afirmou, séculos atrás, que o universo está escrito em linguagem matemática. É isso mesmo?

José Luis Aragón Vera - Acredito que Galileu percebeu a eficácia que tem a matemática para descrever os fenômenos naturais, mas eu considero a matemática uma criação nossa, da mente humana.

Acho que ela é nossa maneira de ver a natureza, mais do que a própria linguagem em que a natureza está escrita. E é incrivelmente eficiente, isso é certo.

BBC - Então não descobrimos a matemática, mas a inventamos?

Vera - Isso. Nós a inventamos, criamos.

Historicamente, a matemática nasce da necessidade de contar e de medir. Mas, pouco a pouco, passa a haver uma mudança, e no século 17 ela começa a ser mais orientadas às aplicações.

Newton, por exemplo, inventa o cálculo diferencial integral pensando em um fenômeno físico como a gravitação.

E, no final do século 19, há uma mudança notável na matemática: ela se converte em um conjunto de objetos abstratos e de regras para manipular esses objetos. E essas regras foram inventadas pelos matemáticos, são criação deles.

José Luis Aragón Vera
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José Luis Aragón Vera é diretor do Centro de Física Avançada e Tecnologia Aplicada da Universidade Nacional Autônoma do México

BBC - Mas se, por exemplo, a distribuição das pétalas das flores e as manchas na pele de alguns animais seguem regras matemáticas, e tantas outras coisas que nos rodeiam seguem regras matemáticas, não pode ser o caso de que a matemática já estivesse ali, e nós a tivéssemos descoberto?

Vera - Isso poderia nos levar a uma discussão filosófica. Minha opinião, e a de muitos outros, é que nós criamos a matemática. E essa criação foi bastante eficiente para descrever a natureza.

Há um artigo que o físico Eugene Wigner escreveu nos anos 30 cujo título já dizia muito: A irracional efetividade da matemática para descrever as ciências naturais.

Nele, Wigner chega à conclusão de que não se sabe por que a matemática é tão eficiente. É um artigo famoso que foi escrito, reescrito, discutido… e segue sem ter uma conclusão.

BBC - Tudo o que nos rodeia pode ser explicado com a linguagem matemática?

Vera - Muitas coisas, sim: fenômenos naturais, também a arte, a música… Não há nada mais matemático que a música.

E há ainda questões como fenômenos sociais, em que é muito difícil que a matemática funcione, porque há interferência de muitos fatores.

Pense, por exemplo, em prever o comportamento da bolsa de valores: se um comprador ficar receoso e decidir vender sua ação, isso pode desencadear uma venda em cascata e uma eventual queda na bolsa.

Há modelos matemáticos que tentam fazer essas previsões, mas são modelos que incorporam de certa forma essa imprevisibilidade.

Robô olha para uma flor

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A possibilidade de a inteligência artificial avançar sobre o campo das emoções divide os especialistas

BBC - É possível que, no futuro, com o desenvolvimento da inteligência artificial, se possa formular emoções a partir de padrões matemáticos?

Vera - É possível que sim. No que diz respeito à inteligência artificial, há duas correntes.

De um lado, a chamada inteligência artificial forte, que argumenta que os processos de pensamento e os mecanismos das emoções respondem a algoritmos e, se são algoritmos, um computador terá capacidade de formulá-los, por mais complicados que sejam.

Mas há outra corrente, encabeçada por pesquisadores como Roger Penrose, um físico de Cambridge, que defende que não, os pensamentos e os sentimentos não respondem a um algoritmo, que há fenômenos adicionais e que, por isso, um computador nunca chegará a desenvolver sentimentos como um ser humano.

BBC - Com qual das duas correntes você se identifica?

Vera - Com a que pensa que os computadores nunca chegarão a desenvolver sentimentos.

BBC - O mundo em que vivemos hoje não seria possível sem a matemática?

Vera - Se não tivéssemos sido capazes de inventar a matemática não teríamos o nível de progresso que temos agora.

E atualmente acontece algo muito curioso. No mundo moderno, com a alta tecnologia que temos, são os matemáticos que estão no centro das atenções.

As empresas se interessam muito pelas redes sociais e pelo processamento de quantidades enormes de dados. Isso porque através das buscas na internet e do perfil das vendas on-line é possível saber do que as pessoas gostam, qual seu padrão de compra e, assim, saber melhor o que vender para elas.

Também tem-se usado a matemática para tentar influenciar a opinião pública: as notícias falsas, as fake news, são criadas por algoritmos matemáticos muito complexos que imitam a maneira como as pessoas escrevem.

Por trás de tudo isso está o conhecimento matemático, e os matemáticos estão cada vez mais valorizados.

Olhando para trás, vemos que, com o desenvolvimento da energia nuclear, os profissionais mais visados naquela época eram os físicos.

Depois que chegou o boom da engenharia genética, foi a vez dos biólogos. E agora são os matemáticos.

BBC - Se não tivéssemos inventado a matemática, como seria o mundo neste momento?

Vera - Continuaríamos usando crenças religiosas para explicar o que vemos, não teríamos grandes teorias sobre como as coisas funcionam.

Sem a matemática, não poderíamos explicar o mundo natural como o fizemos até agora.

BBC - A matemática é perfeição? Pergunto porque, na natureza, quando há padrões matemáticos eles geram algo que parece perfeito…

Vera - O que existe por trás da matemática é o rigor lógico, e o rigor lógico sempre dá essa sensação, não apenas de perfeição, mas também de estética. É belo, muito belo. Por isso, a matemática e a arte vivem em simbiose.

Proporção áurea

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A proporção áurea já foi conhecida como 'proporção divina'

BBC - A arte é algo que nasce das emoções. Onde está a matemática na arte?

Vera - Nas artes plásticas há geometria. Acredita-se que a geometria nasceu na Babilônia no ano 3.000 a.C., outras teorias dizem até que muito antes disso, desde que os seres humanos tiveram a necessidade de adornar seus corpos para ritos religiosos ou de cortejo.

Se tomamos isso como parâmetro, vê-se que a geometria e a estética estão muito relacionadas.

Mas acredito que os primeiros a se darem conta da relação entre geometria e arte foram os gregos.

A proporção áurea, por exemplo, é um número irracional que vale aproximadamente 1,618 e que tem propriedades matemáticas notáveis.

Os gregos foram os primeiros que se deram conta de que, com ela, pode-se formar figuras geométricas muito agradáveis.

Por que são agradáveis não se sabe, mas o são: se, por exemplo, formamos um retângulo em que um lado vale e o outro, a proporção áurea, 1,618, e outros muitos retângulos de diferentes medidas e os mostramos a crianças e adultos, quase sempre eles vão escolher o que contém a proporção áurea.

O escultor e arquiteto grego Fédias utilizou a proporção áurea para o Partenon, e Leonardo Da Vinci ilustrou um livro muito famoso de Luca Pacioli sobre "a divina proporção", que é como se chamava a proporção áurea.

Muitos artistas e intelectuais a utilizaram, até chegar no arquiteto Le Corbusier: o edifício da ONU em Nova York, de sua autoria, também usa essas proporções.

BBC - Os artistas então gostam da matemática?

Vera - Sim. Artistas muito famosos tinham gosto conhecido pela matemática e incorporaram em suas obras conceitos matemáticos mais avançados: Durero, Man Ray, Kandinsky, Escher…

Matemático russo Andrei Kolmogorov

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Andrei Kolmogorov concluiu não ser possível resolver alguns problemas envolvendo fenômenos lineares com as ferramentas matemáticas disponíveis hoje

BBC - Ainda no tema da perfeição… Os matemáticos falam de círculos e triângulos perfeitos, de números compostos de unidades perfeitamente iguais entre si, de números irracionais de não têm fim… Mas nada disso existe de verdade, certo?

Vera - Você tem toda razão. A proporção áurea, para voltarmos a ela, é exatamente 1+√5/2, e esse é um número irracional que vale 1,618034… etc., etc.

Obviamente, nunca teremos um retângulo com essa proporção exatamente, o que se obtém é uma proporção aproximada. Mas isso funciona muito bem, a ciência também se baseia em aproximações que funcionam.

Quando Newton propôs a teoria da gravitação e que a Terra atraía a Lua, calculou qual seria sua órbita ao redor da Terra supondo que ambas são esferas, quando, na realidade, não o são.

Mas, se tivesse feito os cálculos tendo em conta que uma tem forma de laranja e a outra é mais achatada, ele nunca teria chegado em sua teoria.

Tudo se baseia em aproximações. A matemática dá quantidades exatas e perfeitas, mas, ao aplicá-las, usamos aproximações que funcionam muito bem.

BBC - O que ainda falta descobrir no mundo da matemática?

Vera - Falta ainda muita coisa, mas é difícil prever que novas regras vão ser propostas, que novas áreas serão criadas.

BBC - O que você gostaria de descobrir?

Vera - Um caminho que ainda está por se abrir é desenvolver a matemática que possa nos explicar coisas como o caos.

Há fenômenos naturais sobre os quais não conseguimos fazer previsões em um intervalo maior do que três ou quatro dias, como é o caso do tempo (a meteorologia). E o que não sabemos é se a natureza de fato é assim ou se ainda não temos as ferramentas matemáticas adequadas para fazer previsões melhores.

Muitos fenômenos naturais são lineares, e ainda assim não há matemática para descrevê-los. Gostaria de descobrir isso: a matemática para os fenômenos lineares.

Houve um matemático russo muito famoso, Andrei Kolmogorov, que estudou a turbulência, um fenômeno linear muito complexo, ao ponto de uma universidade no Canadá considerá-lo um dos problemas do século e oferecer um milhão de dólares a quem o resolva.

Kolmogorov atacou esses problemas, mas percebeu que não poderia chegar muito longe com as ferramentas matemáticas disponíveis, e falou que fazia falta um golpe de mestre, criar as ferramentas adequadas para esses fenômenos tão complicados.

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