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O mistério sobre quem realmente FOI Maria Madalena

Prostituta. Santa. Esposa de Jesus. Apóstola. Feminista. Os rótulos usados para definir Maria Madalena – fruto de interpretações de textos canônicos, de evangelhos apócrifos ou simplesmente expressões de crenças populares – fazem dela uma das mais enigmáticas personagens bíblicas. O primeiro contato entre Jesus e Madalena está narrado no capítulo 8 do Evangelho de Lucas. Cristo encontra Maria Madalena e expulsa dela sete demônios: “E algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual saíram sete demônios”; Lucas 8:2

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O mistério sobre quem realmente foi Maria Madalena
filme Maria Madalena, que chega aos cinemas nesta quinta (15), lança olhar sobre uma das versões da trajetória desta figura fundamental à história do cristianismo. Na obra dirigida por Garth Davis, ela aparece como uma fiel seguidora de Cristo. Mais do que isso, uma mulher à frente de seu tempo, que desafia a sociedade patriarcal da época, contrariando seu pai ao decidir se tornar uma discípula.

Citada nominalmente 17 vezes na Bíblia, Maria Madalena, ao que tudo indica, era uma entre tantas pessoas que se encantaram com as pregações de Jesus Cristo e passaram a segui-lo. A principal pista sobre sua origem está no nome: originalmente, Maria de Magdala, ou seja, nascida em Magdala, uma vila de pescadores próxima ao Mar da Galileia, localizada a 10 km de Cafarnaum, a cidade que foi a base de Jesus na vida adulta.
O primeiro contato entre eles está narrado no capítulo 8 do Evangelho de Lucas. Cristo encontra Maria Madalena e expulsa dela sete demônios. {“E algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual saíram sete demônios”; Lucas 8:2 }
Sete é um número simbólico e, na Bíblia, significa a totalidade. A partir de então, ela se torna uma seguidora do pregador. Madalena é citada como uma das mulheres que testemunharam a crucificação de Jesus e, de acordo com o evangelista Marcos, ela teria visto onde o seu corpo foi sepultado. A Bíblia relata ainda que ela acabou sendo a primeira a encontrar o sepulcro de Jesus Cristo aberto e, portanto, se tornou a anunciadora, aos outros discípulos, da ressurreição de Jesus.
A seguir, todavia, seu nome desaparece do livro sagrado. Nos relatos – presentes em Atos dos Apóstolos e nas epístolas – dos primeiros anos da Igreja, é como se Madalena não tivesse existido.
“O silêncio dos apóstolos trouxe aos exegetas diferentes interpretações e, para o imaginário coletivo, muitas histórias que ainda hoje pairam sobre a imaginação de homens e mulheres do mundo cristão ocidental”, pontua a pesquisadora Wilma Steagall De Tommaso, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e do Museu de Arte Sacra de São Paulo e membro da Sociedade Brasileira de Teologia e Ciências da Religião. “Crentes ou ateus, todos conhecem alguma história sobre Maria Madalena”.
Relacionamento amoroso
Isto porque as histórias são muitas. Um exemplo bastante difundido: a mulher era uma prostituta que, resgatada por Jesus, acabou virando sua amante. Os dois teriam se casado e, quando ele foi crucificado, Madalena esperava um filho dele. Então, ela fugiria para a França, onde daria à luz. Os descendentes dessa linhagem seriam os membros da dinastia Merovíngia, que governou os francos de 478 a 751.
Este enredo aparece na literatura em O Santo Graal e a Linhagem Sagrada, de Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln – publicado em 1982.
Um relacionamento amoroso entre Cristo e Madalena também é narrado tanto no livro A Revelação dos Templários (The Templar Revelation: Secret Guardians of the True Identity of Christ), escrito por Lynn Picknett e Clive Prince e lançado em 1997, quanto no best-seller  O Código Da Vinci, de Dan Brown. Nestes, a conspiração envolve o gênio renascentista Leonardo Da Vinci (1452-1519), que teria retratado Maria Madalena, de forma cifrada, ao lado direito de Jesus em sua representação da Última Ceia.
No tratado hagiográfico Legenda Áurea, publicado em 1293, o frade dominicano Jacopo de Varazze (1230-1298) conta que 14 anos depois da morte de Jesus, Madalena e um grupo de cristãos acabaram expulsos da Judeia. Embarcados à força, foram atracar no porto de Marselha, no sul da França. Lá, Maria Madalena teria pregado e convertido muitas pessoas. Mais tarde, ela se retirou à gruta de Sainte Baume, onde terminaria se dedicando por 30 anos à penitência e à contemplação. Verdade ou não, o local celebra esta história.
“Nos anos 1950, morei quatro anos no sul da França, onde se encontram a gruta em que se recolheu Maria Madalena e seu túmulo, na cripta da grande basílica, hoje museu. Havia uma grande festa provençal em sua honra, no dia 22 de julho”, recorda-se o teólogo Francisco Catão, autor do livro Catecismo e Catequese, entre outros.
Lendas
As versões populares sobre quem teria sido Madalena são muitas. Há quem acredite que ela tenha sido uma mulher que decidiu fugir com um soldado romano. Depois de um tempo, ele a abandonou e ela virou uma prostituta. Foi quando se encontrou com Cristo e passou a ser sua seguidora. Também há a lenda de que ela tenha sido uma aristocrata, herdeira de um castelo na região de Magdala. Vivia numa vida de luxúria até conhecer Jesus e passar a segui-lo. Segundo a Bíblia, o primeiro milagre realizado por Cristo teria sido, em uma festa de casamento, transformando água em vinho. A identidade dos noivos não é revelada. 
Força da mulher (do feminino)
Uma das teorias atribui ao machismo a desconstrução moral de Maria Madalena. Isto porque ela teria tido um papel muito importante nos primeiros anos do cristianismo, algo semelhante ao de Pedro – considerado como o primeiro papa da Igreja Católica, o fundador do catolicismo. Mas quando a Igreja se tornou religião oficial de Roma, teve de dar uma atenuada nesses aspectos, por conta do machismo do império.
“Maria Madalena é uma figura forte desde o início do cristianismo. Mas, em uma sociedade patriarcal, em que o Jesus ressuscitado apareceu a uma mulher em primeiro lugar, confiando a ela a missão de anunciar aos apóstolos a sua ressurreição – a mais alta missão possível! – foi um problema para os homens de seu tempo”, disse a historiadora Lucetta Scaraffia, que há décadas estuda a importância da mulher na tradição cristã, em entrevista publicada semana passada no L’Osservatore Romano.
Mais do que os quatro evangelhos canônicos – de João, Marcos, Lucas e Mateus -, muitos evangelhos ditos apócrifos, não reconhecidos pela Igreja Católica, tratam da vida de Maria Madalena – e são fonte de muitas das teorias sobre ela que sobreviveram ao tempo. Se nos evangelhos oficiais seu papel é restrito a apenas uma entre tantos seguidores de Cristo, nos apócrifos Maria Madalena é retratada como alguém próxima do mestre, uma sábia que gozava de posição especial entre os primeiros cristãos.
“A liderança de Madalena (do feminino) era incômoda em muitos setores dos primórdios do cristianismo. A escolha dos livros que formam o Novo Testamento se deu num cenário em que se procurava sufocar as lideranças femininas existentes nas comunidades cristãs”, afirma o teólogo Pedro Lima Vasconcellos, professor da Universidade Federal de Alagoas e autor do livro O Código da Vinci e o Cristianismo dos Primeiros Séculos, para explicar por que ela é retratada nos apócrifos de uma maneira diferente dos evangelhos canônicos.
No Evangelho de Tomé, ela aparece em um diálogo com Pedro no último dos 114 versículos que essa obra atribui a Jesus Cristo. E mostra que havia uma Igreja dividida entre essas duas lideranças.
“Simão Pedro disse a eles: ‘Maria tem de nos deixar, pois as mulheres não são dignas de viver'”, diz o trecho. Na sequência, Jesus responde: “Eis que eu a guiarei para torná-la masculina, para que também ela se torne um espírito vivente, como vós, que sois homens. Pois toda mulher que se “fizer homem” entrará no Reino dos Céus” (nota de Thoth: Assim como todo homem que se “fizer mulher” – isto é desenvolver em si mesmo os aspectos femininos da intuição, compaixão, amorosidade, cuidado pela natureza… relacionados ao lado direito do cérebro).
{No Evangelho Apócrifo de Tomé: 114. Simão Pedro disse-lhes, “Que Maria (Madalena) nos deixe, pois as mulheres não merecem a Vida.” Cristo em Jesus disse, “Eu mesmo a irei dirigir, a fim de a “fazer um homem”, para que também ela se torne  um espírito vivo semelhante a vós, homens. Pois todas as mulheres que a si mesmas se fizerem “homens”, entrarão no Reino do Céu” [8]. }
Uma das interpretações aceitas para esse diálogo que hoje soa esquisito vem do pesquisador Dale Martin, especialista em Religião da Universidade de Yale. Para ele, o texto se refere a uma crença da época de que a capacidade de procriar, inerente às mulheres, era algo ruim (opinião de um “especialista”).
Já no Evangelho de Maria, ela é quem anima e encoraja os apóstolos temerosos das perseguições daqueles primeiros tempos do cristianismo. E Pedro reconhece sua importância. “Irmã, sabemos que o Salvador te amava mais do que às outras mulheres. Dize-nos as palavras do Salvador que recordas, aquelas que conheces e nós não conhecemos, já que não as ouvimos”, afirma ele.
Entre 2015 e 2016, a pesquisadora Eleonora Graziani utilizou este evangelho para demonstrar “a autoridade da voz feminina na Igreja primitiva”, quando ela realizava seu doutoramento em Estudos Femininos pela Universidade de Coimbra. Mas o texto apócrifo que mais suscita discussões sobre Madalena ter tido ou não um relacionamento amoroso com Jesus é o Evangelho de Filipe. Primeiro porque o evangelista diz que uma das Marias que “sempre caminhavam com o Senhor” era “sua companheira”.
Entretanto, pode ser tudo uma questão de tradução. A palavra original do manuscrito, o grego koinonôs, apesar de poder se referir a uma esposa, é mais comumente empregada para designar duas pessoas que compartilham alguma missão ou um trabalho, como dois parceiros comerciais. Outra passagem do mesmo evangelho, apesar de repleto de lacunas, diz que Jesus “a beijava com frequência na sua boca”.

Um fragmento de um antigo papiro recentemente descoberto (ou somente agora revelado) faz a sugestão explosiva que Jesus e Maria Madalena eram marido e mulher, eles eram casados dizem os pesquisadores. O fragmento do tamanho de 8 X 4 centímetros suporta/apoia uma corrente no pensamento cristão que mina séculos de dogmas da Igreja católica romana, sugerindo que o Messias cristão não era um celibatário. O centro do fragmento contém a frase bombástica onde Jesus, falando a seus discípulos, diz: “minha esposa”, que os investigadores acreditam que se refere à Maria Madalena. Fonte
Papas
No início, a Igreja reconhecia sua santidade. Maria Madalena era chamada de “apóstola dos apóstolos”, justamente por ter sido a primeira a atestar a ressurreição de Cristo – o primeiro registro desta definição é atribuído ao teólogo Hipólito de Roma (170-236).
Deixada meio de lado quando a Igreja Católica se tornou religião oficial do Império Romano – o que aconteceu no ano 380 -, Maria Madalena acabou relembrada de um jeito meio torto. Em uma tentativa de tentar convencer os fiéis de que o arrependimento sincero bastaria para um perdão de Deus, o papa Gregório Magno (540-604) começou a propagar, em sermões, que algumas passagens da Bíblia se referindo a mulheres pecadoras – anônimas – estavam, na verdade, tratando de Madalena.
Ou seja: várias pessoas foram juntadas em um só nome Maria Madalena. Em seu artigo Olhares de Clérigos – que integra do livro História das Mulheres no Ocidente-, o historiador francês Jacques Dalerun é categórico ao dizer que “tal como o Ocidente a venera a santa não existe, enquanto indivíduo, nos evangelhos”.
“A identidade de Maria Madalena, — de quem Jesus expulsou sete demônios e que foi testemunha da paixão e da Ressurreição, — fundiu-se com a da pecadora anônima,— mulher que lavou, ungiu e secou com os cabelos os pés de Jesus na casa de Simão, o fariseu — e também é identificada com a Maria de Betânia, irmã de Marta e de Lázaro”, resume a pesquisadora Wilma. “Maria de Betânia, no Evangelho de João, unge também Jesus com um valioso perfume de nardo. A pecadora anônima que aparece no Evangelho de Lucas; Maria de Betânia e Maria Madalena passaram a ser consideradas a mesma pessoa.” Pronto, estava aberta a brecha para que Madalena fosse tachada como prostituta a arrependida.
Nas últimas décadas, esta imagem foi revisada pela Igreja. Em 1969, os predicados “penitente” e “pecadora” foram excluídos da seção dedicada a ela no ‘Breviário Romano’.
“Isto eliminou um estigma que havia sido acentuado principalmente por ocasião da Contrarreforma, quando Maria Madalena teve a importante função de ser o exemplum. Completamente contra o protestantismo e sua doutrina da graça e da predestinação, a Contrarreforma enfatizou a doutrina da penitência e do mérito. Nessa época, séculos XVI e XVII, Maria Madalena exerceu um importante papel como a pecadora-penitente e como a pessoa que foi favorecida por excelência”, contextualiza Wilma, que está finalizando um livro sobre a personagem cristã.
Em 2016, papa Francisco transformou a data de Maria Madalena, 22 de julho, em festa litúrgica. De acordo com o Vaticano, a decisão foi tomada porque Francisco gostaria de “assinalar a relevância desta mulher que mostrou um grande amor por Cristo”. Ele voltou a enfatizar seu título de “apóstola dos apóstolos”. O gesto, carregado de simbolismo, repercutiu entre religiosos e estudiosos.
Professor de Novo Testamento da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, o filósofo Régis Burnet afirmou que o ato do papa reconhece “o lugar surpreendente, para a época, que as mulheres (o poder feminino) ocupavam junto de Jesus”, ao mesmo tempo que funciona como um “apelo a um maior reconhecimento delas na Igreja de hoje”.
Cultura
Relacionamento íntimo com Jesus, mas apenas do ponto de vista espiritual. O historiador britânico Michael Haag procura trazer esta Maria Madalena como a verdadeira, em seu recém lançado Maria Madalena – Da Bíblia ao Código da Vinci: companheira de Jesus, deusa, prostituta, ícone feminista. O livro, portanto, vai na mesma linha do filme de Garth Davis que chega aos cinemas – com Rooney Mara no papel principal. Mas, assim como a Igreja, o mundo da arte e do entretenimento também já apresentou várias facetas dessa “santa”.
Madalena já apareceu em mais de 30 filmes – quase sempre como uma linda mulher, sedutora. Em A Última Tentação de Cristo, obra de Martin Scorsese lançada em 1988, ela é vivida pela atriz Barbara Hershey. Que encarna a figura da prostituta – e, num devaneio épico quando Jesus está na cruz, é vista como esposa dele e grávida de seu filho. Em A Paixão de Cristo, de 2004, Mel Gibson traz uma Madalena, vivida por Monica Bellucci, coberta de lama. Em entrevista da época, Gibson afirmou: “eu joguei lama nela; e quanto mais lama eu jogava, mais bonita ela ficava”.
“Em dois mil anos de cristianismo, não há outro personagem que tenha estimulado tanto a imaginação de artistas, escritores e outros estudiosos como Maria Madalena”, acredita Wilma. “Sabemos pouco a respeito dela, no entanto, a cada período da era cristã criou-se uma Madalena que satisfizesse suas necessidades e anseios e assim Maria Madalena vem sendo submetida até nossos dias a uma plástica cultural.”
Assim, obras do Renascimento apresentam uma Madalena símbolo de penitência, humildade e amor. No Iluminismo, a figura é de uma rameira de coração puro. No fim do século 19, começa a ser representada de forma muito sexualizada, uma femme fatale.
Alguns quadros que a retratam são indispensáveis para qualquer percurso da História da Arte. Ticiano Vecellio (1490-1576) pintou Madalena Penitente e Noli Me Tangere. Seu contemporâneo Giampetrino (de quem não se sabe nem sequer o período exato de vida) concebeu uma Madalena sedutora, mundana. Já a Madalena de Pietro Perugino (1448-1523) é a imagem de uma santa.

“CONHECE-TE A TI MESMO E CONHECERÁS TODO O UNIVERSO E OS DEUSES, PORQUE  SE O QUE TU PROCURAS NÃO ENCONTRARES PRIMEIRO DENTRO DE TI MESMO, TU NÃO ACHARÁS EM LUGAR ALGUM” – Frase escrita no pórtico do Templo do Oráculo de Delphos, na antiga Grécia.

Saiba mais, leitura adicional:
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